quarta-feira, 22 de abril de 2009

10º QUARTO

A última aula com o professor Giesteira foi, no mínimo, inspiradora. O tema discutido, a Côr, e a forma como foi abordado, apontou uma série de caminhos apetecíveis e um sem número de pontos de vista que remetem para uma série de referências que me são bastante familiares.

A arte de Dave Mckean, por exemplo, e do qual pudemos ver bons exemplos nos livros disponíveis na aula. Porque de alguma forma sempre me pareceu ser doentia, cerebral, assustadora, às vezes. Porque a côr é usada (nem sempre) de forma a induzir um certo mau estar, um desconforto qualquer que não sabemos bem explicar.

As questões relacionadas com casos de doentes do foro neurológico, e da forma como estes são influenciados pela sua condição; como isso lhes altera a percepção das coisas, das imagens, dos sons, da estética. Lembrei-me de um livro que mudou a minha vida, de uma certa forma, e de como me fez perceber o mundo das pessoas que sofrem com estes problemas; percebê-las e entender (de uma forma assustadora, diga-se) como pode alguém ficar preso dentro do seu próprio cérebro. Foi a primeira vez que me dei conta de que estes «defeitos» na nossa mente, estas falhas técnicas, são bem físicas e muito pouco metafísicas. Aprendi a rir-me daqueles que a pessoas assim conseguem rapidamente disparar um "isso é psicológico". Pois claro que é. O livro, "O Homem Que Confundiu a Mulher Com Um Chapéu", foi escrito por um famoso psiquiatra inglês, Oliver Sacks, e é um conjunto de relatos que ultrapassam a linguagem meramente clínica. São histórias contadas com um incomum carinho e, por vezes, sentido de humor optimista. Sacks dedicou-se a escrever sobre as experiências que teve com diversos dos seus pacientes nos anos em que trabalhou em instituições de doentes mentais. Este livro não explora essas mesmas pessoas. Pelo contrário, eleva a sua condição humana e trata cada caso como se admirasse cada um dos indivíduos. E admira.

A própria pintura e tantos artistas que sofriam de variadíssimas doenças mentais. Como isso lhes condicionava a vida social e como influenciava o seu trabalho. Van Gogh e a sua mais do que certa esquizofrenia e a forma como o seu estado mental, permanentemente em desalinho, lhe deu uma facilidade ímpar em percepcionar uma quantidade absurda de possibilidades de utilização da côr. Dalí, que com a sua insanidade - ou apenas excentricidade? - foi capaz de criar as imagens mais estravagantes, mas também de desenvolver uma técnica minuciosa e invulgarmente perfeita.

Podia até falar de Clive Wearing, um brilhante pianista e maestro inglês que tem uma memória de apenas 30 segundos. Afectado pelo comum vírus da herpes, o cérebro de Wearing perdeu todas as capacidades de reter memórias, especialmente memórias das coisas que aprendemos todos os dias. As unicas coisas que consegue processar, única e simplesmente porque dependem de uma zona do seu cerebelo que não foi afectada, são o seu trabalho e a sua mulher. Ou seja, continua a tocar piano e a dirigir uma orquestra e lembra-se sempre da sua mulher como se fosse a primeira vez que a estivesse a ver em anos. Mesmo que a última vez que a tenha realmente visto tenha sido há uns meros 31 segundos.


Mas este trabalho tem de se relacionar com a côr de alguma forma, e por muito que a música induza esse tipo de imagens - espero eu que induza nos outros também... - o assunto não é unânime o suficiente para não provocar a discussão.

Posto isto, a minha escolha para este trabalho só podia ser a vida e trabalho de Isaiah Zagar, um inacreditável artista plástico de Filadélfia, nos EUA, e que é um exemplo perfeito da utilização da côr e de como um distúrbio neurológico pode afectar, ou se preferirem, influenciar a arte de um criador.
Zagar tinha 28 anos quando um esgotamento nervoso resultou na incapacidade do artista conseguir decidir um fim para os seus trabalhos. Zagar sempre afirmou ter perdido a habilidade de entender o que esteticamente seria certo ou errado. Assumindo esta sua nova forma de olhar o seu trabalho, Isaiah Zagar dedicou-se a criar murais compostos por vidro, tijolo, porcelana, plástico, metal, mas também por objectos que resgata do lixo, como rodas de bicicleta, pequenos electrodomésticos, peças de automóveis, etc. Nunca saíu da sua cidade-natal, Filadélfia, para trabalhar. Tudo o que construíu foi nas ruas dessa cidade; nos prédios, nos muros, igrejas e parques. Criou uma obra incontornável e impressionante a que deu o nome de Secret Garden, um labirinto gigantesco forrado a mosaico e onde o artista expôs igualmente alguma da sua poesia.
Olhar os trabalhos de Isaiah Zagar é imediatamente perceber o que consegue fazer com milhões de côres diferentes. Observar um dos seus murais é um verdadeiro desafio; tentar identificar a quantidade de tonalidades diferentes presente num só metro quadrado é coisa para nos levar umas horas. Nunca saberemos verdadeiramente se foi a sua condição neurológica o rastilho desta constante explosão criativa de Zagar. É fácil justificarmos a necessidade do artista em compôr as imagens a partir de milhões de pequena peças de puzzle com a «extrema complexidade do seu cérebro». Mas isso nós não sabemos de facto. O que sabemos é que o próprio Isaiah Zagar admite que o seu incidente lhe deu um novo eyesight, isto é, uma forma nova de olhar e percepcionar o mundo. Ele, que sempre demonstrara uma frágil saúde mental - antes do esgotamento nervoso já havia tentado o suicídio - encontrou na sua nova condição um equilibrio que para nós não é outra coisa que não estranho, desconfortável. Ao fazê-lo, atingiu o brilhantismo, mesmo que, sabemos hoje, a sua vida pessoal e social tenha sido sempre uma constante luta. Está para estrear nos EUA - infelizmente o nosso mercado continua a não dar espaço a 99% dos documentários que se fazem por aí - um filme sobre a vida de Isaiah Zagar, realizado e filmado pelo seu filho mais novo, e que acompanha o artista no seu dia-a-dia. A câmara passa a fazer parte da família, e o que vemos nem sempre é agradável. Mas é um retrato essencial para todos os que quiserem saber mais sobre um homem absolutamente genial; sobre o seu trabalho e as suas influências - aquilo a que os americanos tão bem chamam de what makes you tick - mas acima de tudo acerca da sua doença mental. É tocante perceber como consegue um homem suplantar as dificuldades provocadas, ultrapassar as dores que essas dificuldades lhe provocam - metafísicas, não físicas - e ainda assim ser uma figura incontornável, inultrapassável na arte e cultura de dois séculos.

Na doença - será mesmo doença? - há quem consiga encontrar coisas novas, caminhos novos para o seu trabalho. O professor de música, de que fala o doutor Sacks, que perdeu a capacidade de reconhecer rostos mas que imediatamente percebeu que recuperava essa capacidade sempre que ouvia ou tocava um peça de música clássica. Ou Jackson Pollock, que de alguma forma aprendeu a canalizar uma raiva e ódio desmedidos para as gigantescas telas que pintava. Ou Wagner, Nietzche, Cobain, Buckley, Mário de Sá Carneiro, Sarah Kane, e tantos outros, que consciente ou inconscientemente foram alimentados pela sua mente e incentivados a criar mais e mais.

Há muita coisa que me fascina em Isaiah Zagar e no seu trabalho. Tudo o que já referi - o uso das côres, a forma como transforma tanta matéria prima diferente num objecto único e totalmente claro e perceptível e que imediatamente se traduz numa imagem forte e facilmente reconhecível - mas também algo que provém de um pequeno detalhe e que me suscita um sem número de interpretações: no meio do caos organizado composto pelos pequenos pedaços de vidro, azulejo e tijolo, Zagar desenha linhas flúidas, harmoniosas, leves. O contraste entre estes traços e as arestas afiadas das pequenas peças de puzzle transmite-me a sensação de que existe algo no seu cérebro que insiste em estar ligado ao homem que era antes. Antes do incidente, antes da transformação. Na minha ideia, Zagar vive num mundo alterado pelo seu olhar, uma realidade a que não pode fugir. No entanto, existe um espaço na sua mente que se lembra de como as coisas eram antes de serem distorcidas pela morte de algumas células; lembra-se e tenta a todo o custo sobreviver na arte de um homem que decididamente não é um homem qualquer. É especial mesmo que (especialmente) por causa de um esgotamento nervoso.

Em 1972, a agência publicitária Young & Rubicam elaborou uma campanha de sensibilização para os objectivos da United Negro College Fund, uma organização apostada em lutar pelos direitos dos alunos negros nos Estados Unidos. O slogan "A Mind Is a Terrible Thing To Waste" é ainda hoje algo de extremamente familiar aos nossos ouvidos, mesmo sem sabermos o que representa ou sequer se foi inventado por alguém. É uma frase que não podia estar mais certa. Uma mente, qualquer mente, é algo terrível de desaproveitar. Isaiah Zagar lutou contra a sua dificuldade e deu-lhe a volta. Completamente. Por outro lado, a frase "The Mind Is a Terrible Thing To Taste", aproveitada pelo grupo americano Ministry para título de um dos seus álbuns, nãó é menos acertiva. A mente pode de facto ser algo de terrívelmente assustador. Os casos de que fala Oliver Sacks, ou referidos por António Damásio no seu livro "O Erro de Descartes", mostram-nos realidades que só conseguimos imaginar no cinema. Isaiah Zagar vive numa dessas (Ir)realidades. Todos os dias tem de se confrontar com a sua nova forma de olhar o mundo, de o percepcionar como mais ninguém o faz. Como ninguém o faz, realmente. O meu olhar é diferente do teu, ponto.





Referências / Sugestões:
Breve biografia de Isaiah Zagar
Isaiah Zagar na Wikipedia
Oliver Sacks na Wikipedia
Página oficial de Dave Mckean
Man without a memory - Clive Wearing

sexta-feira, 17 de abril de 2009

10º TERCEIRO

Julgo que os próximos vídeos não necessitam de grandes explicações. Parece-me serem exemplos perfeitos de tudo o que já se falou nas aulas, e abordam, na perfeição, a matéria da cor e os seus significados, sentimentos e emoções.

Quanto a Ken Nordine, convém introduzi-lo à comunidade. Há muitos anos tinha a mania de comprar discos apenas pelo aspecto da capa. Foi assim que o Ken Nordine entrou na minha vida, porque gostei da capa de um dos seus discos, no caso, "Son Of Word Jazz". Nordine é um famoso voiceover, ou seja, um senhor que usa a voz para, entre outras coisas, fazer rádio, anúncios televisivos e radiofónicos e relatar os famosos trailers para cinema. Ken Nordine gostava de falar dos mais variadíssimos assuntos, alguns bastante sérios, outros surreais e aparentemente sem sentido. Uma das suas poesias - se lhe quisermos chamar assim - fala precisamente das cores e das suas características (quase) humana. Como em muitas outras áreas, as suas palavras inspiraram artistas a realizar trabalhos para lhes dar corpo. Os vídeos que se seguem são alguns (poucos) desses trabalhos. E até parece que foram feitos de propósito para nós...