quarta-feira, 25 de março de 2009

DÉCIMO



Quantas são ainda as pessoas para quem um filme só começa realmente após o genérico inicial ter terminado? Quantas vezes só temos silêncio absoluto na sala de projecção após estes pouco mais de dois minutos? Dois minutos que são na verdade o início do filme e que muitas vezes nos lançam pistas sobre o que vamos ver, que nos contam a história antes ainda de algum actor aparecer no grande ecrã e que, na maior parte das vezes e se estivermos atentos, podem até revelar que afinal o assassino não é - perdoe-me a Agatha Christie - o mordomo.

O genérico inicial é a primeira aproximação ao filme que estamos a ver. São as suas primeiras imagens, os seus primeiros sons. Pode muito bem ser um objecto plasticamente diferente do que se lhe segue, mas nunca lhe é totalmente indissociável. Pode mesmo ser considerado já como um género em si - há inclusive galardões que premeiam os realizadores destes pequenos filmes-dentro-de-filmes - mas obedece sempre a uma lógica narrativa, mais do que a uma vontade ou liberdade estética.

Quem realiza um genérico inicial é por definição merecida um artista plástico. Um artista que tem de perceber a história que se quer contar e saber como abordá-la ligeiramente, sim, mas também de forma a cativar os mais empedernidos e aumentar as expectativas do público. Um bom genérico prende o público desde os seus primeiros segundos. Um genérico realmente efectivo faz o público salivar pelo que está para vir, e quantas vezes é esse mesmo genérico o responsável pela mudança de atitude de alguém que foi ao cinema contrariado? Alguém que subitamente se vê apanhado pelo isco lançado por aqueles dois minutinhos e que já não consege olhar para o lado, segredar alguma coisa ao ouvido da namorada, ou fazer barulho com as pipocas.

É claro, há filmes e realizadores que parecem não apostar nesta primeira sequência de imagens e sons. Alguns filmes não têm sequer genérico - alguns nem sequer necessitam, para dizer a verdade - outros têm-no mas meramente como decoração; uma bonita moldura com que enquadrar os nomes dos intervenientes naquela obra.

Tudo tem o seu espaço e tudo é, obviamente permitido. No entanto, prefiro mil vezes um genérico que tenha vida própria e que sirva até como curta-metragem da longa que se lhe segue, do que um objecto mortiço, cinzento e tremendamente aborrecido.

Assim é o maravilhoso genérico de "Catch Me If You Can", o filme de Steven Spielberg que em 2002 juntou Tom Hanks e Leonardo DiCaprio para nos contar a história verídica do maior burlão da história dos EUA, Frank Abagnale Jr. A pequena curta-metragem de animação realizada pela empresa Kuntzel and Deygas que dá início à história É a história. Em pouco mais de dois minutos - os tais dois minutinhos - ficamos a saber o que se passa, o que acontece, como acontece, quem é quem e faz o quê. Tudo a um ritmo endiabrado, divertido, quase infantil e que, lá está, prende imediatamente a atenção do espectador.

O trabalho é um exemplo magnífico - um dos melhores na área - de todos os elementos da comunicação visual que têm sido discutidos e tantas vezes exemplificados nas aulas. Linhas em movimento, muito rectas mas que terminam muitas vezes em palavras arredondadas e suaves, e que vão compondo estruturas, barreiras, muros, estradas e um sem número de outros objectos; manchas enormes de cores fortes mas pouco elaboradas e que servem quase como papel de parede para as movimentações dos «bonecos», toscos, simples e, como as linhas, também eles muito rectos. A juntar a isto tudo dois pormenores deliciosos, pequeninos mas significativos. Um, e tão a propósito do que se falou e viu na última aula, na passada sexta-feira, e que pode ser visto assim que surge o título do filme. Reparem no simples e tão eficaz efeito que uma das palavras sofre à passagem de um certo avião. O segundo, o nome dos realizadores do genérico, escondidos algures numa capa de arquivo...

Tudo isto acompanhado por (mais) uma composição brlhante de John Williams, um dos mais fieis parceiros de Spielberg e um dos maiores compositores de música ao serviço do cinema de sempre. Ao contrário daquilo a que já nos acostumou, Williams optou não por uma partitura sinfónica mas sim por pequenas peças facilmente associadas a um certo tipo de Jazz da década de 60. A banda sonora espelha bem o conteúdo do filme e, acima de tudo, a forma escolhida pelo realizador para nos contar a história de Abagnale Jr. Assim, as músicas são divertidas mas inspiram também um certo mistério; ouvimo-las e rapidamente criamos no nosso imaginário a imagem de alguém inteligente, manhoso e muito, muito ardiloso. As bandas sonoras, como os genéricos iniciais, têm também esta particularidade: têm de ser indissociáveis do objecto imagem e com ele construir um todo, lógico e coerente. Mas este é um tema que por si só merecia um artigo inteirinho.

Esta música em particular é absolutamente irresistível. Possui um ritmo incrível, bem «dedilhado», quase mecanizado e que inclusive me está, precisamente neste momento, a fazer escrever mais rápido este artigo. Como todas as trilhas sonoras de John Williams, é o acompanhamento perfeito para as imagens de Spielberg; o "mais qualquer coisa" que as transforma em algo harmonioso e que nos permite, como referi no início deste artigo, ficar agarrado ao ecrã sem conseguir desviar os olhos, segredar algo ao ouvido da namorada ou fazer barulho com as pipocas - embora eu aprecie mais uma boa dose de nachos.


2 comentários:

Anónimo disse...

eu acho que nc comi nachos :/
lol curti ler meu caro :D Se me permitir vou incluir um post com link p este :D

Bruno Giesteira disse...

Mais um excelente exemplo! Desta feita "main-stream" e com notórias referências gráficas dos anos 50/60.

Bom trabalho Nuno!
Bruno Giesteira