segunda-feira, 16 de março de 2009

QUARTO



E para finalmente falar de Henri Matisse, um dos pintores sugeridos para o trabalho em questão.
Henri Matisse nasceu em 1869 e faleceu em 1954, e ficou rapidamente famoso pelo domínio notável das cores, reflexos e brilhos que utilizava nos seus trabalhos. Talvez por essa razão, Matisse ficou para sempre associado ao movimento conhecido como fauvismo, uma estética marcada pelo uso de cores fortes e selvagens e em muitos casos contrastantes com a realidade.

No entanto, e depois da sua carreira ter sofrido uma significativa acalmia, provocada pela saída de Paris e bem reflectida nos trabalhos dessa época, o pintor e escultor voltou a abalar o mundo das artes plásticas com um simples e no entanto influente trabalho. Um trabalho que ainda hoje é facilmente reconhecido como sendo Matisse, e que não é indiferente mesmo para aqueles que normalmente não demonstram grande interesse ou curiosidade pela pintura. Já numa fase tardia da sua vida, Matisse publicaria "Jazz", um livro com trabalhos realizados a partir de colagem de recortes em papel e acompanhados por pensamentos do seu autor e que representou na altura um tremendo sucesso, embora se tratasse de uma edição limitada.






As imagens de "Jazz" são completamente o oposto daquilo que Matisse fez na quase totalidade da sua carreira. São imagens simples, unidimensionais, desprovidas dos tais brilhos e reflexos tão reconhecidos no seu trabalho; imagens sem textura, planas, de cores básicas e de aspecto infantil, até, mas que trazem consigo a mesma quantidade de informação e de intenção, de sentido e de lógica de qualquer um dos quadros da sua fase fauvista, por exemplo.

Uma das consequências deste trabalho foi a dedicação que Matisse deu à gravura e à ilustração, nomeadamente aos desenhos a branco em superfícies negras e à litografia. Esta fase do artista francês sempre me fez lembrar o trabalho de um outro, nada relacionado com a pintura, e que a dada altura da sua carreira optou também por um caminho revolucionário e nada consentâneo com os cânones da sua arte.

Frank Miller, considerado por muitos como o maior autor de banda desenhada de
sempre, abanou o mundo da nona arte quando editou o já clássico "Sin City", aventura gráfica num preto e branco totalmente de acordo com a história, negra, pesada e influenciada pelo film noir de que Hollywood tanto gostava nos idos anos 40 e 50. Miller fugiu quase que totalmente ao uso das cores garridas e exageradas que se tornaram quase uma regra em banda desenhada - e de que já era um exímio utilizador - mas não retirou detalhe à sua obra, pelo contrário.


Cada desenho de "Sin City" é uma obra prima do pormenor, da minúcia. Como Matisse, Miller optou pelas manchas grandes de cor - apesar de ser quase só preto e branco, e do resultado ser muito próximo da fotografia com película Lith - e pelas silhuetas, apenas arriscando o pormenor como elemento definidor da própria imagem. Como Matisse, também as imagens do mestre americano são uma explosão de informação; de sentimentos, de emoções, de intenções. São imagens planas, estáticas, muitas das vezes, mas que invadem os sentidos e contam uma história mesmo sem a ajuda dos habituais balões de texto.



Mais tarde, Miller tentou com sucesso fazer o crossover entre as técnicas ancestrais de banda desenhada e aquela que desenvolveu para "Sin City". O resultado, "300", foi igualmente um sucesso à escala mundial, e colocou sem margens para dúvidas, o seu autor num patamar raramente alcançado por artistas da banda desenhada. Miller aliou as cores fortes à silhueta novamente de forma magistral, e voltou a «inventar» um género, uma técnica e uma imagem muito característica.

Para muitos esta comparação entre um génio da pintura e um da banda desenhada poderá ser um sacrilégio, uma falta de respeito ou, em última análise, um exagero. Ficam as imagens de ambos para a devida análise...

1 comentário:

Bruno Giesteira disse...

Caro Nuno,

Obrigo-me a reagir publicamente à provocação registada (e bem!!) no último parágrafo do seu artigo. Em minha opinião, sacrilégio é remeter a nona arte (e consequentemente autores de génio como Frank Miller; Dave McKean; Hayao Miyazaki (...)) para um plano inferior de importância cultural e social.
-
Vamos agora para o plano mais académico. ;) Por muito que me identifique com a análise do Nuno, o objectivo é que a mesma esteja mais fundamentada num discurso (e respectivas fontes...) mais relacionado com a gramática/sintaxe visual.
Autores como a Donis Dondis; Rudolf Arnheim; Bruno Munari; et. al. têm em minha opinião um trabalho notável no que toca à tentativa de alfabetizar a comunicação visual.
-
Deixo por isso o desafio para uma versão 2.0 deste artigo, já por si, bem interessante.

Continuação de um bom trabalho,
Bruno Giesteira